quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Manejo Sanitário Agroecológico

1) INTRODUÇÃO

Os animais silvestres sofrem uma grande influência do ambiente em que vivem, os domésticos, mais ainda. Isto se deve ao “redirecionamento” na sua evolução genética (cruzamentos dirigidos) e nas alterações ambientais causadas pelo homem.
A sanidade animal se expressa através de numa interação entre o homem, o animal e o ambiente. Estes três fatores se relacionam de forma a favorecer ou prejudicar a saúde dos animais.
O homem - a partir de seus conhecimentos, crenças e capacidade financeira - irá comandar o relacionamento entre estes fatores. Este tem o poder de modificar o ambiente, de escolher a raça de animal a ser criada, de escolher o tipo de alimentação fornecido, de como vai construir as instalações que abrigará os animais, de tomar a decisão de como cuidar destes animais, entre outras. Em resumo: o homem vai manejar, ou seja: fará toda ação desde o planejamento, a execução e a avaliação dos resultados de uma propriedade e a relação dela com meio em que esta inserida (ambiente, mercado, etc.).
Os animais dependem de como o homem organizou tudo isto. Estes não têm como escolher seu espaço, seu abrigo e de se alimentar fora destes limites que lhe foram impostos. Sendo assim, qualquer ação feita pelo homem, repercutirá na saúde dos animais, que respondem a esta intervenção através de sinais. As doenças são manifestações destes sinais e indícios de um manejo inadequado.
Para tratar um animal doente numa propriedade, não basta examiná-lo clinicamente e prescrever-lhe um medicamento. Isto não resolverá, porque este está manifestando os sinais de algum problema dentro de um contexto geral.
A solução seria uma consciência, tanto dos criadores quanto dos técnicos, da importância de uma medicina veterinária preventiva. Onde seriam avaliados todos os aspectos do ambiente (externo e interno), dos animais, do sistema de criação e do proprietário. Para juntos elaborarem um plano de manejo geral.
Segundo Márcia Guelber, em seu livro Criação de Galinhas em Sistemas Agroecológicos, “O manejo em uma criação ecológica requer a mudança de atitudes em relação à sanidade dos animais. A agroecologia pressupõe muito mais as atitudes de cooperação, que significam:

- melhorar a vida em todas as instâncias: solo, plantas e animais, sejam eles pequenos seres invisíveis, sejam nossas espécies domesticadas;

- aumentar a resistência e a tolerância dos animais, através da escolha de espécies e raças adaptadas e rústicas e de um manejo que propicie a alimentação saudável e o contato benéfico com o sol e ar puro;

- melhorar o bem estar animal;

- dar liberdade para a expressão do comportamento natural e atender às necessidades de espaço, reprodução, alimentação, vida social, territorialidade, abrigo, etc.”

Exceções seriam algumas doenças genéticas que estatisticamente não tem muita relevância em termos de rebanho ou econômicas.”

2) SAÚDE

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): Saúde seria – o estado de equilíbrio e completo bem-estar físico, mental e social (OMS). E Não simplesmente a ausência de doença.
A natureza é o modelo. Na natureza tudo tende ao equilíbrio. Toda agressão que se faz ao ambiente ou ao animal têm-se uma resposta.
É necessário que haja um desequilibro de alguns fatores para que se estabeleça um quadro patológico, ou seja: para que os animais adoeçam.
Estes fatores são:

a) Hospedeiro: Seria o animal, este precisa ter predisposição para ficar doente. Ou seja: estar com a imunidade baixa. Isto se deve a estresse, má alimentação, instalações inadequadas, manejo inadequado, etc.
b) Agente causal: seria o agente infectante (bactéria, vírus, vermes, etc.). Não basta este estar presente, precisa ter poder infectante. Ou seja: quantidade e “poder-de-fogo” necessários para provocar a doença.
c) Ambiente: seria tudo que esta em volta influenciando os dois anteriores. Pode atuar no hospedeiro diminuindo sua resistência (manejo inadequado atuando como causador de estresse) e no agente causal dando condições para o aumentando de sua população (falta de higiene).

O uso de drogas alopáticas, ou seja: produtos químicos e medicamentos sintéticos, tem o benefício da cura rápida. Mas não atuam na verdadeira causa das doenças. Por exemplo: ao se administrar um antibiótico para matar um determinado microorganismo que causa infecção em um animal (como uma mastite, uma pneumonia, etc.). este se recuperará, e não mais manifestará os sintomas da doença. Mas se o que causou este problema, seja a má alimentação, instalações inadequadas, raça de animal inadequada para aquele clima ou tipo de manejo, falta de higiene nas instalações, falta de composição do ambiente segundo exigências da criação quanto a seu bem estar, entre outras... não for corrigido o animal voltará a adoecer, será preciso tratá-lo novamente, mais e mais vezes quanto forem necessárias. Isto cria resistência nos microorganismos e o poder combate das drogas vai ficando cada vez mais fraco e ineficaz. O animal em tratamento, ou após, durante o período de carência, não pode ter seus produtos comercializados aumentando mais ainda os prejuísos. Este exemplo se repete para todos os tipos de tratamentos com vermicidas, carrapaticidas, mosquicidas, etc.
Com o uso indiscriminado destas substâncias os produtos de origem animal, os cursos d’água, o solo, acabam sendo contaminados e contaminando o Homem que vive neste ambiente, lida com estes animais e consome tais produtos.

3) BEM ESTAR ANIMAL

Hoje tem se dado bastante importância ao bem estar dos animais. Várias pesquisas tem sido feitas nesta área e está provado que os animas adoecem menos e produzem mais se estiverem sob conforto. Para se sentirem confortáveis precisam de um espaço mínimo necessário, clima adequado e alimento de qualidade a disposição. Se algum destes fatores não forem satisfeitos o animal entrará em estresse e estará abrindo uma porta para a entrada de doenças.
Os animais gostam de guardar um território de segurança, ou seja um espaço mínimo para se sentirem seguros. Quando isto não é respeitado os mesmos tornam-se mais agressivos, começam a brigar, entre outros tipos de manifestações que levam a contusões (machucados) e perda de produtividade.
A falta de conforto térmico compromete todo o metabolismo do animal, causa um depressão do sistema imunológico, perda de apetite e dimuição da produção e capacidade de reagir aos desafios do ambiente.
As ações em favor do bem estar dos animais seriam: a composição de um ambiente favorável a proliferação da vida como um todo (biodiversidade), a construção de instalações de tamanho compatíveis com o número de animais a serem alojados e com um desenho tal que proporcione um clima agradável, quantidade de cochos e bebedouros compatíveis com o número de animais existentes para evitar a competição, disposição e tamanho das pastagens e instalações, entre outras.

4) ALIMENTAÇÃO

Segundo o dito popular: “a saúde entra pela boca”. Logicamente a doença também.
Não existe um alimento completo. O leite ou o ovo, por exemplo, são alimentos riquíssimos, mas apenas atendem as exigências de alguma categoria animal durante uma fase especifica de sua vida, no caso, fase lactante e embrionária, respectivamente.
Nenhum animal conseguiria sobreviver com saúde se alimentando sempre de apenas um tipo de alimento (por exemplo: Um bovino num pasto formado apenas com uma espécie de capim sem qualquer tipo de suplementação).
A dieta deve ser diversificada. Quanto mais tipos de alimentos diferentes o animal receber, maiores chances terá que suas exigências nutricionais sejam atendidas. Deve-se fazer a mistura de alimentos de forma que a quantidade de nutrientes exigidas para cada espécie, categoria, estado fisiológico (lactação, gestação, etc.) seja atendida (balanceamento). A falta de algum nutriente pode causar carência e o excesso causar intoxicação.
Os alimentos contém nutrientes que desempenham funções vitais nos animais. Estão intimamente relacionados ao desenvolvimento, produção, reprodução, etc. citaremos algumas classes de alimentos e suas respectivas funções e importância:

a) Carboidratos - Incluem diversos compostos, principalmente o amido, os açucares e a celulose (fibra). Os carboidratos, à semelhança das Graxas, funcionam de preferência como fontes de energia, pois, ao serem “queimados” no organismo animal liberam calor e energia, usados para estes fins: manutenção da temperatura do corpo, formação de gordura, produção de açúcar e gordura no leite, suprimento de energia para a atividade muscular, digestão, respiração e manutenção da vida do fetos, etc.

b) Graxas – (ou lipídeos) são compostos orgânicos encontrados nos tecidos de plantas e animais. A quantidade de graxa ingerida pelos bovinos com os alimentos são relativamente pequenas, porém importantes pelo elevado teor energético e pelas influências que exercem no organismo. Além de funcionar como reserva de energia, desempenha ainda as seguintes funções: age como isolante térmico, forra as cavidades corporais a fim de proteger órgãos se sensíveis como os rins, entram na composição das estruturas celulares. Finalmente, são necessárias para o aproveitamento as vitaminas liposolúveis. Quando ingeridas em excesso provocam perturbações digestivas.

c) Proteínas - são empregadas no corpo para a formação de tecidos durante o crescimento e para a reposição das células continuamente renovadas. São encontradas nos músculos, ossos, tendões, sangue, unhas, chifres, pele e pelos. Todas as categorias de animais tem necessidade de proteínas, para os seguintes fins: o animal novo, para o desenvolvimento; a fêmea em gestação, para o crescimento do feto e dos órgãos ligados à reprodução e a lactação; a vaca em lactação, para a produção de leite; todos os animais, para a manutenção do peso e para cobrir as necessidades decorrentes da elaboração de enzimas e hormônios; os indivíduos convalescentes de doenças e ferimentos, para a recuperação do estado normal.

d) Minerais – desempenham no organismo animal funções múltiplas e complexas, relacionadas com o crescimento, manutenção, reprodução e produção. O Cálcio, fósforo e magnésio são essenciais para a formação dos ossos, que funcionam como armazéns reguladores de reservas minerais continuamente depositadas e mobilizadas. O enxofre é importante para a formação de alguns aminoácidos (precursores de proteínas). O Ferro entra na constituição da hemoglobina (sangue), mioglobina (músculo) e enzimas diversas (digestão). O Zinco esta presente na pele, ossos e fígado, além de integrar várias enzimas e estar relacionado com a síntese de proteínas e com o metabolismo de carboidratos. O manganês tem funções ligadas ao crescimento e reprodução. As funções do iodo são exercidas sobre hormônios relacionados com a formação do sistema nervoso, esqueleto, metabolismo basal e metabolismo dos açucares, proteínas e água. O cobre é componente dos glóbulos vermelhos (sangue) e essencial para que os mesmos se formem e se mantenham ativos na circulação. O molibdênio, embora essencial, quando ingerido em excesso prejudica o crescimento e a produção de leite. Flúor em excesso prejudica os dentes e o esqueleto. O selênio em excesso provoca manqueira, queda de pelos, deformações nas unhas, entre outras anormalidades, sua carência causa retenção de placenta.

e) Vitaminas – São compostos orgânicos que entram na ração em quantidade muito pequena mas são muito importantes para que a saúde seja assegurada. A vitamina A exerce funções de proteção da visão, intervêm no metabolismo protéico, mantém a integridade dos epitélios, é necessária para a normalidade da reprodução e crescimento. A vitamina D exercem importantes funções no metabolismo de cálcio e fósforo. A vitamina E tem funções relacionadas a fertilidade e com a normalidade dos tecidos conjuntivos, nervoso e hepático. desenvolve ação antioxidante. A vitamina K influencia a coagulação do sangue (anti-hemorrágica). As vitaminas do complexo B são catalisadoras essenciais para a manutenção da vida e para a edificação de estruturas celulares. A vitamina C - desempenha importante função metabólica, tem função anti-estresse.

Estas informações são apenas para deixar bem claro a importância que tem todos estes nutrientes e de como a dieta do animal deve ser diversificada e balanceada. Como viram tanto a falta como o excesso dos nutrientes podem causar doenças.

5) COMPOSIÇÃO DO AMBIENTE

O clima influência diretamente nos seres vivos. Controla o florescimento de muitas espécies de plantas e o ciclo reprodutivo de alguns animais através do fotoperíodo (tamanho dos dias). Correntes de ventos e partículas em suspensão (poeira) causam problemas respiratórios. Excesso de umidade traz problemas com fungos, verminoses, podridão dos cascos. E tantos outros.
Mas há como o homem intervir no clima em favor dos animais? Claro que sim.
Deve-se plantar quebra-ventos e formar pastagens com árvores ou mantê-las quando da formação. Isto ajuda a reter as águas das chuvas, proporciona sombra aos animais e evita correntes de ventos que trazem doenças e secam as pastagens. Cria um micro clima ideal para o abrigo de pássaros e insetos que competem entre si e protegem o ambiente de pragas (equilíbrio).
Distribuir melhor as aguadas (bebedouros) e cochos de sal mineral (estes de preferência devem ser móveis), para que os animais caminhem menos em busca de água e alimentos e não forme lamaçais e erosões.
Evitar queimadas que consomem a matéria orgânica, matam plantas e animais e prejudicam um vida microscópica do solo.
Enfim , pode-se criar um micro clima dentro da propriedade de maneira a amenizar os efeitos maléficos do clima (ventos, altas temperaturas, etc.) e potencializar os efeitos benéficos.
Outra forma de controlar os efeitos climáticos e através da construção de instalações de forma adequada, assunto do próximo tópico.

6) INSTALAÇÕES

As instalações são os locais onde os animais passam grande parte de sua vida. Onde enfrentam os desafios do clima e dos agentes patológicos (agente causal). Devem proporcionar ao animal bem estar, serem práticas e econômicas (as vezes a vaidade do criador é levada mais em consideração do que o bem estar do animais, constróem-se instalações caras que não proporcionam bem estar aos animais e não tem praticidade para o manejo e a limpeza).
Deve-se planejar a construção das instalações de forma a manter a temperatura em seu interior o mais próxima possível da ótima exigida pelos animais e sem grande oscilações (diferença entre as mínimas e máximas) .
A planta das instalações têm que permitir o manejo dos animais de maneira a provocar o menor estresse possível na hora das vacinações, ordenha, contenção para algum tratamento, entre outros. Mas principalmente, ser de fácil higienização. Higiene é primordial para o controle de doenças.
A localização também é importante, por exemplo: o piquete dos bezerros logo abaixo do centro de manejo dos animais adultos, com os dejetos deste escorrendo para o mesmo, é um grande foco de infecção (verminoses, diarréias, etc.) Saleiros fixos formam lamaçais que também são focos de infecção.
A área de pastagem deve ser dividida em vários pastos menores, onde se fará um rodízio dos animais entre eles de tal forma que o animal não entre no mesmo pasto antes que as larvas de vermes e carrapatos tenham morrido. Deve existir um cuidado no planejamento destes sistemas porque a contaminação pode ocorrer também nos corredores, já que ali os animais passam todos os dias.

7) VACINAS

As vacinas são uma arma eficaz e barata para o controle de algumas doenças, mas não fazem milagres, juntamente com as vacinas devem ser tomadas todas as medidas profiláticas que foram citadas anteriormente.
As vacinas obrigatórias, como o próprio nome diz devem ser feitas acompanhando as exigências do órgão de defesa do seu estado.
Outras vacinas devem ser introduzidas segundo orientação de um médico veterinário. Normalmente não se usa vacinas de doenças que não existem ou que sejam de baixo risco nas região. Deve-se planejar um calendário de vacinação levando em conta fatores como: oportunidade (existência da vacina e facilidade de operacionalização, grau de risco da doença, custo da vacina e a relação deste com seu benefício e epidemiologia da doença.

8) TRATAMENTO

Prega-se uma medicina veterinária preventiva, onde as causas devem ser solucionadas. Isto não quer dizer que devemos submeter nossos animais ao sofrimento. Se um animal aparecer doente, com febre, com uma ferida, uma bicheira, um quadro diarréico, etc. deve ser tratado. Para isto é melhor que se use tratamentos alternativos como fitoterápicos, homeopatia, acupuntura, entre outros. Pois geralmente não causam resistência e não poluem o ambiente. Mas se os mesmos não estiverem disponíveis deve-se lançar mão de drogas alopáticas (fármacos em geral). Principalmente quando estiver em risco a vida do animal ou de algum órgão ligado a produção como o úbere e o útero.
Para sistemas orgânicos que são controlados por certificadoras, estas administrações medicamentosas devem ser informadas e a carência multiplicada por fator 2 (regulamentado pelo ministério da agricultura).

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